Razzaq Barakatullah - Um Despertar Total

um-despertar-totalMeus pais eram da Índia, mas viviam em Maurício, um estado insular do Oceano Índico. Como muçulmanos fiéis, obedeciam ao pé da letra à lei islâmica. Criança ainda, aprendi a ler e escrever a língua urdu e a ler o Corão (embora sem compreendê-lo), e logo estudei numa escola secundária muçulmana, onde se dava muita ênfase à história, cultura e teologia do Islamismo. Eu cumpria com os requisitos de minha religião, mas pouco a pouco comecei a questionar sua importância.

Ensinaram-me que eu não podia ganhar o paraíso e a outra vida se não cumprisse com tais obrigações, e eu estava preocupado em saber se obteria a graça de Alá ou a sua desaprovação. Minha alma ansiava por um consolo que nem as orações, nem os jejuns, nem a leitura do Corão me proporcionavam. Decidi indagar até o mais profundo do Islamismo, muito além das tradições; e o único meio para isso era o estudo exaustivo do Corão. Comecei então, a lê-lo numa versão francesa.

Todos os muçulmanos crêem que a prova da origem divina do Corão está em sua inigualável beleza. Eu havia sentido essa beleza, quando o ouvi dos leitores profissionais na mesquita ou pelo rádio. Mas ao lê-lo em francês, fiquei confundido e desiludido pelo conteúdo, pois parecia estar cheio de contradições e duras ameaças. Minha fé foi sacudida ainda mais ao ler a sura trinta e três que relata como Maomé, tendo já nove esposas, recebeu uma revelação especial que o induziu a casar-se com a mulher de seu filho adotivo Zaid. Aparentemente a ele se aplicava uma norma diferente da que se exigia dos demais fiéis.

Com dezesseis anos, refleti sobre essas passagens, o que me levou a viver muitos meses com dúvidas e a fazer uma dolorosa auto-análise. Sem negar a beleza do Corão no idioma árabe, vi que isso não constituía evidência suficiente para comprovar sua origem divina. Também pensei na vitória do Islamismo: certamente Alá estava com eles! Mas nos últimos cinqüenta anos, o comunismo também havia conseguido dominar as vidas de um terço da humanidade, e não podia, evidentemente, contar com a aprovação de Alá. Assim, enquanto o debate se travava em minha mente, abandonei o jejum e as orações, com exceção daquelas das sextas-feiras, nas quais meu pai insistia muito.

Alguns meses depois, estava sentado ao lado de meu pai na mesquita, refletindo se existia mesmo o paraíso e o inferno; se havia vida depois da morte ou se ao morrer somos simplesmente eliminados. Então, refleti que a melhor maneira de servir a Alá era servindo ao próximo. Por isso, nesse instante, decidi dedicar minha vida para aliviar o sofrimento de outros por meio da medicina. Verifiquei que isso requeria muito sacrifício e abnegação e encontrei em mim o mesmo egoísmo e a mesma ambição que havia nos outros. Sempre sentia ansiedade pelo futuro: “Eu teria sucesso ou fracasso? Ou estaria sempre imerso na mediocridade?” Além disso, sofria de um complexo de inferioridade e de um sério problema de gagueira; por isso, estudei muito para provar quem era e mostrar a mim mesmo que podia superar meus colegas.

Pensei que se pudesse obter as melhores notas no exames preliminares, estaria satisfeito. Mas ao obtê-las, não senti a satisfação que esperava. Aconteceu a mesma coisa com os exames finais. Então, pensei que alcançaria finalmente a felicidade viajando para o exterior. Seria um estudante universitário, possuiria muito dinheiro e tomaria conta da minha própria vida.

Quando saí de casa, fiquei triste porque deixava meus pais, mas, ao mesmo tempo, estava cheio de esperança. Na Europa, com o clima úmido e frio, a dificuldade em encontrar um lugar e o choque do novo ambiente, logo desapareceu a emoção de estar num lugar diferente. Não tinha a quem recorrer. Assistia às aulas em salas enormes, com centenas de outros estudantes. Tudo era muito impessoal. Estava só o tempo todo, desesperadamente só no meio de uma multidão ativa e barulhenta. Procurei fazer amigos e só encontrei bons modos. Achava-me tão deprimido que fui falar com o reitor e lhe disse que iria abandonar a medicina. Ele me aconselhou para que não tomasse uma decisão precipitada, pois o primeiro ano é sempre deprimente. Continuei, mas questionando-me se algum dia alcançaria a paz e a serenidade, e se a felicidade não é mera ilusão.

Com esses pensamentos na mente, uma manhã encontrei-me com um jovem cristão fora da sala de aula. Ao nos conhecermos melhor, começamos a nos reunir para conversar sobre política e outros aspectos da vida. Sua atitude, dominada por uma fé viva em Deus, era positiva e confiante. Os outros viviam somente para os fins de semana, e eu ficava escandalizado e me repugnava a linguagem alterada com que contavam o que haviam feito. Grande parte do tempo, passavam-no na cama e o resto em bebedeiras e com mulheres e, assim, na segunda-feira estavam doentes. Eu pensava: que caricatura do que a vida deveria ser. Entretanto, minha própria conduta não era muito melhor. Eu não sabia como Ter uma vida plena e profunda.

Certa vez, o rapaz cristão apresentou-me ao grupo de jovens de sua Igreja e, novamente, impressionei-me ao ver como eram alegres e diferentes. Quando perguntei a um deles o motivo da alegria, ele me disse que a diferença estava em que eles tinham Jesus Cristo como Salvador e Senhor. Eu não tinha idéia do que isso significava; além disso, parecia-me estranho que pessoas sensatas pudessem crer que Deus tivesse um Filho, Jesus Cristo, como os seres humanos. Entretanto, isso despertou minha curiosidade pela fé cristã. Meu amigo deu-me de presente um Novo Testamento numa versão antiga. Achei sua leitura difícil e irritante por causa dos arcaísmos e de palavras pouco conhecidas e, assim, depois de alguns capítulos, abandonei-o.

Um Sábado assisti uma reunião organizada pela turma jovem. Não me lembro muito da mensagem, mas me deram um livreto chamado “A medula do Cristianismo.” Ao chegar em casa, comecei a lê-lo. O autor explicava que a rebeldia do homem contra Deus nos afasta a tal ponto, que nada podemos fazer para chegar até Ele. Nossa relação chega a depender da lei e não do amor. Deus não podia nos reconciliar com Ele pela força, pois Seu desejo é ter filhos que sejam seres humanos e não robôs. Também não podia esquecer-se de nossa rebeldia ou simplesmente deixar-nos perecer, pois ama a cada um de nós. Ao encontrar-se frente a tal dilema, Deus fez algo inimaginável, que era a única solução. Na pessoa de um homem, Jesus de Nazaré, Ele mesmo desceu à humanidade, identificou-se totalmente com o homem e permitiu que o pecado dos homens e mulheres prevalecesse contra Ele. Ao ser executado como um criminoso qualquer e por acusações falsas, suportou as terríveis conseqüências de nossa maldade. Deus demonstrou, assim, de uma vez por todas seu imenso amor pelo ser humano e seu juízo contra o pecado. Na pessoa de Jesus, oferece-nos perdão e nos convida a nos reconciliarmos com Ele. “Agora, - perguntava o autor – qual é a tua resposta a esse amor? Como você se sentiria se alguém rejeitasse o amor e o cuidado que você está oferecendo?”

Mentalmente repassei os últimos anos de minha vida e reconheci que o amor de Deus e sua mão haviam me guiado. Deus respondeu às minhas orações em momentos difíceis, mas eu tinha me esquecido dEle de imediato. Lembrei-me de minha oposição a Jesus Cristo e como em certa ocasião eu tinha tomado pão e vinho, zombando da Ceia do Senhor. Ainda assim, Ele continuava me amando e cuidando de mim; não tive outra alternativa a não ser ajoelhar-me e pedir-lhe perdão.

Depois de uma noite bastante agitada, fui à Igreja, pois era domingo. Eu havia pensado muito em qual seria atitude de meus pais pela desonra que minha conversão traria à família. Como poderia com minha carreira, já que eu dependia financeiramente de meu pai? Meus amigos cristãos me disseram que eu deveria lançar toda minha ansiedade sobre Cristo, que me daria forças; mas eles não compreendiam a natureza do meu problema.

Entretanto, aprendi pouco a pouco o que significa Ter fé em Deus, e tornei-me mais corajoso para testemunhar à medida em que experimentava a graça de Deus em Cristo Jesus, de forma que todos meus compatriotas na cidade souberam da minha conversão. Logo comecei a fazer a mim mesmo muitas perguntas sobre a fé: a confiabilidade do Novo Testamento, o significado do fato de que Jesus é o Filho de Deus, de sua morte, da Trindade, etc. Tinha que convencer-me de que o Cristianismo era razoável, que não havia lugar para a preguiça mental. Eu deveria compreender a fé e sua relação com a vida no mundo moderno.

Tornei-me cristão porque encontrei-me frente a frente com o amor de deus na pessoa de Cristo. O que vivi depois e continuo experimentando é muito mais do que eu jamais havia esperado ou sonhado. Conheço a Deus como o Pai que ama e cuida de mim, não só pelo que Jesus ensinou, mas também pela maneira como Ele tratou a pessoas difíceis de amar, como Zaqueu (Lucas 19), ou a mulher samaritana (João 4).

Então, comecei a buscar a vontade de Deus e procurar cumpri-la pela sua graça. Oro não somente para obter algo, mas porque a comunhão com Deus é doce, refrescante e renovadora. Aprendi a aceitar a mim mesmo, porque tenho certeza de que Deus me ama e me aceita assim como sou. Dessa forma, pude começar a emocionante experiência de descobrir quem sou eu. Certas habilidades e capacidades, de cuja existência eu somente suspeitava, se evidenciaram e deram fruto. Meu complexo de inferioridade desapareceu e minha gagueira ficou quase imperceptível.

Para mim a conversão foi um despertar total: espiritual, emocional e intelectual. Fiz amizades profundas e que me satisfazem. Antes, quando me encontrava rodeado de europeus e africanos, eu era muito consciente da minha raça e cor; mas, agora, entre cristãos de qualquer raça, isso não tem mais importância. Este companheirismo é algo tão maravilhoso que sempre procurei sua causa. Encontrei a resposta com o apóstolo Paulo em Efésios 2.11-16: “Mas agora em Cristo Jesus, vós que em outro tempo estáveis longe, fostes aproximados pelo sangue de Cristo. Porque Ele é nossa Paz.” Por isso, quando conheço um cristão que leva a sério seu cristianismo, sinto imediatamente um laço de comunhão com ele, seja qual for sua raça ou educação.

Sob o domínio de Cristo estou aprendendo o significado da vida e o segredo da felicidade, a segurança de que em meio aos altos e baixos da vida, sempre posso apoiar-me no amor e na proteção imutáveis de Deus Todo-Poderoso. Tanto o sucesso como o fracasso passam a ser iguais na perspectiva de seu infinito amor. Agora não olho mais para o futuro com ansiedade, mas sim, com esperança, e isso dá emoção e espontaneidade à minha vida.

  

R. F. Wootton

@ 1987 Misiones Mundiales

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