A Letra e o Espírito

letra-e-espirito"Porque a letra mata, e o Espírito vivifica" (2 Co 3.6)

NÃO há que duvidar, suponho, que quando o apóstolo Paulo fez uso desta conhecida antítese, ele pretendia, em primeiro lugar, fazer distinção entre a Lei e o Evan­gelho: entre o código escrito — com suas rígidas exi­gências que só despertam um sentimento de impotência e intensifi­cam o sentimento de perda — e o Espírito que em nós habita, conces­sionário da graça e doador de consolo. Mas quase não se pode ques­tionar que as palavras deste versículo podem ser usadas adequada­mente em sentido mais amplo, e que este sentido mais amplo é reco­nhecido pelo menos implicitamente pelo próprio apóstolo. Bastaria eu ilustrar a verdade do texto entendida neste sentido mais amplo, e eu teria de insistir num literalismo de interpretação que não toleraria aplicação fora da esfera dentro da qual foi originalmente empregada. Penso que posso servir melhor o propósito que tenho hoje em vista, e adaptar melhor meu discurso às circunstâncias desta época c lugar, tirando vantagem de alguns dos contrastes mais óbvios que estas pa­lavras tão adequadamente sugerem.

1. É verdade que a palavra pneu ma aqui tem referência especial ao Espírito Santo, mas também significa o espírito humano, e com a palavra gramma como o outro termo da antítese, julgo que não é nada violento ou forçado fazer o sugerido contraste entre a Língua e o Pensamento como o primeiro tópico a considerarmos.

O pensamento e não o modo de sua expressão, a mente e não o reposteiro no qual está envolto, devem ser nossa primeira considera­ção. É fatal elevar o trabalho para deixar que a energia termine na letra. A meta do verdadeiro estudioso é ir atrás da letra para o espíri­to. A mera sugestão da língua como meio de comunicar pensamentos nos apresenta um dos fatos mais maravilhosos da vida. Afinal de con­tas, é a trivialidade que é a mais misteriosa. O pensamento salta a brecha das duas personalidades distintas e não causa nenhuma sur­presa. Desnudamos os segredos de nossas vidas interiores uns aos outros e depois nos perguntamos em actio in distans e contestamos capciosamente à possibilidade da comunicação divina. É tão fácil coar 0 mosquito e engolir o camelo.

Pensar e falar; ter idéias e registrá-las; explicarmo-nos; achar uma medida comum de pensamento entre os muitos tipos de linguagem; conversar com nossos contemporâneos no jornal matutino e manter comunhão com os mortos nos livros que guardam vivas suas recorda­ções — isto. se apenas pararmos para considerar, é a maravilha da existência. Um mistério, admito, e um de solução não mais fácil pelo filósofo suicida que tenta, por páginas de excogitações elaboradas, reduzir o pensamento a mecanismo e depois envia o livro com os seus cumprimentos ao cortês leitor, na esperança de que ele venha a pensar que o autor é pensador de intelecto incomum na demonstra­ção de tal lógica convincente e de tal arranjo de testemunho fisiológi­co, que não há pensamento e nem pensador algum.

A língua é o retrato do pensamento, a impressão dos dedos do pensamento. É fácil ver por que o estudo da língua, como distinta da literatura, deveria ocupar um lugar sublime no currículo acadêmico. É de grande importância entender as formas de pensamento, seguir suas curvas e observar suas sutilezas e requintes de distinção, à medi­da que percebemos depois que ele foi endurecido e colorido no dis­curso. Você pode aprender muita psicologia pelas preposições gre­gas. O modo subjuntivo fornece um caminho mais curto para a mente. humana que os experimentos psicométricos de Fechner e Wundt. Contudo, podemos dar grande importância à filologia, e ainda que tivéssemos de nos satisfazer com menos gramática, eu teria mais lite­ratura. Leiamos Milton em vez de ler sobre ele, e o leiamos à medida que o amarmos, em vez de ir no passo de caracol indicado por Ruskin.

Tradução é trabalho difícil, como fomos recentemente lembrados por Pater e Lowell. Fazê-lo bem requer que saibamos a letra, mas também requer — o que é mais difícil de se obter — que captemos o espírito do autor para que vejamos com os seus olhos e repensemos seus pensamentos. Não é mais que presunção o que leva Marion Crawford, em um dos seus mais recentes trabalhos, a representar seu herói tirando proveito dos últimos avanços da ciência elétrica — re­movendo as barreiras que o separam do mundo não visto — e man­tendo comunhão face a face "com os imortais"1. É exatamente isso que se espera que uma educação liberal faça. É isso que ela fez por você, se você tirou proveito das oportunidades que teve aqui, a menos que nossos métodos sejam deploravelmente ruins. É por isso que apren­demos latim e grego e dominamos as dificuldades do vocabulário.

Não nego que seja vantajoso saber as leis da mudança fonética, e que haja treinamento intelectual no conhecimento das formas da pa­lavra. Porém, quando o treinamento clássico c útil apenas como halteres e barras paralelas o são, está escrevendo um comentário em meu texto. Dominar a sintaxe para ruminações disciplinares; e também dominá-la, como diz Richard de Bury, para que abramos estradas reais na literatura. Mas lembre-se de que o pensamento é mais que a palavra, que na melhor das hipóteses é apenas um símbolo, uma sugestão do pensamento, e raramente seu equivalente. Aquele que lê literalmente lê pobremente. Até a jurisprudência, a ciência que man­tém o discurso em mais rígida conta, admite que há tempos quando não só temos de julgar o que um homem pretende dizer pelo que diz, mas o que ele diz pelo que obviamente pretendeu dizer. Hoeret in literâ, hoeret in cortice. (Atenção diagramador: Vide original p.383) Há muito pouco estudo clássico do tipo puramente literário entre nós. Ou sabemos como especialistas e sabemos nada mais, ou não sabemos praticamente nada. E é provavelmente difícil unir as funções do estudioso geral e as do especial. Poucos despendem suficiente energia na letra para escrever as notas para Juvenal, de Mayor, e então escrevem um "anúncio" ao volume que tremula em cada linha com interesse simpatizante nas questões do dia.

Não digo nada relativo às letras que também não seja verdade sobre a ciência. Pois os fatos com os quais o homem da ciência lida são somente as letras com as quais ele está tentando explicar detalhadamente o pensamento nelas incorporado. Ele pode se diver­tir com as formas dessas letras, colocá-las em grupos e dar-lhes no­mes, mas contanto que ele esteja comprometido com os fatos, ele não está mais aplicado na atividade que jogando xadrez ou resolvendo quebra-cabeças. É quando ele bate em alguma tecla o código secreto da natureza; é quando ele está usando os fatos na verificação da hipótese que representa o pensamento que o seu trabalho c digno de fama científica. Caso contrário, ele é somente um recenseador do reino da natureza; um catalogador da biblioteca da verdade, escre­vendo títulos e lendo a lombada dos livros.

Que o humanista não fale para desacreditar a ciência, pois se ele está usando a língua apenas como material para o exercício do pró­prio pensamento, se os resultados de seus trabalhos não são a base de generalizações que representem o pensamento, então ele está ape­nas colecionando fatos, juntando conhecimento inútil e imprimindo volumes intermináveis de material que não merece ser lido. E com efeito esta, em grande parte, é a condição das coisas hoje em dia. Estamos nos super especializando; e o perigo é que nossos estudiosos se tornarão operativos sob um grande sistema de trabalho de contra­to; cheios de opiniões sobre assuntos dos quais não temos nenhum conhecimento, e cheios de conhecimento sobre assuntos que não dão base para opiniões. Somos subjugados com matérias e corremos o risco de sermos submersos na massa de fatos que não podemos reduzir ao sistema. Quantas vezes, quando vemos a ambição esporeada em novos esforços, lembramos estas palavras do texto: "A letra mata. e o Espírito vivifica".

Ciência! Você quer fatos. Você proclama a soberania dos fatos, o reinado da lei, a onipotência da indução, o império do sentido. Seus partidários reduziram a história em ciência, a filosofia em ciência, a religião em ciência e a língua em ciência; e quando você faz tudo, o que ganhou? Um amontoado de material desorganizado; uma caixa de quebra-cabeças chineses; um montão de lixo de monografias acer­ca dos advérbios gregos, dos manuscritos cópticos, da cerâmica babilônica, da teoria de Pitágoras sobre o universo, sem ordem e sem plano — ou então há um pensamento, uma idéia, uma generalização atrás de tudo. O destino de tudo é a morte e o monturo, ou então há uma idéia informativa e instigadora para dar forma e beleza. Faça o melhor de si: o filósofo, o apóstolo da idéia, é necessário fazer viver estes ossos secos.

De quem é o pensamento que subjaz esta língua do fato? É seu estado subjetivo que você tem imposto na natureza como a lei que nela opera, quando você formulou a doutrina da gravitação? É sua subjetividade que impõe um significado em Hamlet e Fausto, não graças a Shakespeare e Goethe? Você dividirá a diferença entre os dois filósofos rivais por uma decisão arbitrária, a fim de ser objetiva em seu reconhecimento do fato e subjetivo em sua explicação do fato? Ou você verá atrás da letra o espírito, atrás do fato a idéia que dá significando ao fato e faz você participante do pensamento de Deus? Eu não me admiro que o homem da ciência magnifique seu ofício e se sinta orgulhoso de sua sublime chamada.

Atrás das barreiras do discurso, com efeito, que se fundem com nosso conhecimento de uma língua estrangeira, acham-se "'os imor­tais", e conversamos para contentamento de nosso coração. Mas atrás das sílabas da ciência e esperando apenas pelo espírito de reverência para seu prazer acha-se a comunhão com Deus. O artista literário tem material recalcitrante a tratar. Com o autor, o pensamento é muito volátil, e com o tradutor, a língua é muito opaca. De forma que entre a incapacidade do vaso contentor e a chance de derramar em nossos esforços para decantá-lo em outro, corremos o risco de perder algo do vinho da genialidade. Isto é verdade acerca do pensamento huma­no; quanto mais verdadeiro deve ser acerca do pensamento divino. Não podemos prestar muita atenção às palavras em si nas quais a Bíblia foi escrita, e quanto mais completamente crermos em sua ins­piração, mais ansiosos estaremos em ter um texto correto e uma tra­dução fiel. Mas podemos ter ambos e perder o espírito da revelação. Podemos ter um ousado literalismo de tradução que sacrifica o bom inglês ao idioma grego, e salvar a letra às custas do espírito. Podemos carregar nossa memória com "várias leituras" e sermos tão microscó­picos em nosso estudo do texto quanto a ficarmos impossibilitados de ver o pleno contorno de uma idéia divina. Podemos guardar em reverência a Palavra na medida de sermos adoradores indiscriminados das palavras, e por nosso literalismo ininteligente perder o significado que as palavras transmitem.

Quando me deparo com homens tratando metáfora como fato e lendo poesia como interpretariam um decreto do Congresso, buscan­do um sentido espiritual cm toda expressão comum, compreendendo mal a Parábola do Filho Pródigo, perguntando quem era o "irmão mais velho" e invocando ajuda combinada de química e o Livro de Levítico na interpretação da Parábola do Fermento, sinto que Matthew Arnold, com todos os seus erros, merece crédito pelo menos por nos lembrar que a Bíblia deve ser tratada como literatura. Mas temos de seguir mais adiante para podermos dizer que passamos além da letra em nosso estudo da Escritura. Pois embora como literatura, pode ser lida com a devida consideração pelas condições históricas sob as quais foi produzida, com a pertinente atenção às diferenças de estilo e forma de composição, não a lemos como devemos quando domina­mos seus detalhes geográficos, estudamos sua arqueologia, aprende­mos a valorizar as belezas de Isaías e Jó ou apreciamos o alto nível moral do Sermão da Montanha. Considerar a Bíblia simplesmente como literatura provoca em mim um sentimento semelhante ao que tenho pelo sistema antigamente em voga de fazer o Evangelho de João introdução fácil para o estudo do grego. Degradamos o livro ensinando-o por meios ilegais. Desonramos a verdade quando a ensi­namos com uma suppressio veri. Estou em completa simpatia com a idéia de que a Bíblia — a Bíblia em nosso idioma, se você gosta desse modo de descrevê-la melhor — deve ter um lugar no currículo uni­versitário, mas a quero entendida para que seja ensinada com consi­deração distinta à sua autoridade divina e às grandes doutrinas da redenção que contém.

Vocês fizeram senão uso pobre de suas instalações aqui, meus amigos, se não podem fazer a distinção que especifiquei. Esta com efeito não é parte pequena da educação. Tentamos treiná-los de modo a colocá-los sob o poder das idéias. Objetivamos educá-los de forma que vocês se tornem estudiosos, e não pedantes; juristas, e não rábulas; homens da ciência, e não lavadores de frascos de laboratório; teólo­gos, e não textualistas; religiosos que repensam pela Palavra de Deus os pensamentos de Deus, e não negociantes de frases chanfradas ou escravos de um literalismo estúpido.

2. A mesma antítese de que estamos tratando também pode servir para representar o contraste entre o acidental e o essencial nas ques­tões de julgamento literário e de opiniões religiosas. A impressão não discrimina. Mesmo a pontuação é um dispositivo moderno, e a juris­prudência a desdenha até o dia de hoje. Não dá valor às vírgulas e ponto-e-vírgulas com que borrifamos nossas páginas, às vezes por falta de um estilo claro ou de uma sintaxe correta. Não permite itálico co­mum para dar ênfase artificial ao que é escrito, mas deixa o pensamen­to traçar seu caminho à mente sem outra pressuposição que a inteli­gência do leitor. Esta de fato é a grande demanda, mas parece não haver ainda substituto adequado para cérebros; e para um normalmen­te suprido neste aspecto é proposição patente que embora a palavra impressa não o diga, todos os pensamentos não são de valor igual nem merecedores da mesma ênfase. Nenhuma obrigação repousa sobre nós, por exemplo, de tratar o verso de todo poeta como de igual beleza e força, porque ele não considerou por bem mostrar algum favoritismo aos discípulos do seu cérebro. Não é nossa culpa que haja apenas três linhas dignas de serem lembradas no poema "Peter Bell", de William Wordsworth. Tudo o que é dito não merece ser repetido.

Todas as ações humanas não são dignas de serem gravadas. Des­prezíveis quando novas, não ganham importância com o lapso do tempo. O fonógrafo que grava hoje e reproduz por cem anos a tolice da conversação, por conseguinte divertirá, mas não edificará. Ocorre-me dizer estas coisas quando considero a mania prevalecente por pesquisa original. Justamente agora está afetando historiadores c lite­ratos. Você pode conhecer história — pode ter seu Gibbon. seu Hallam e Freeman nas pontas dos dedos, mas você não é um historiador a menos que tenha estudado as fontes. Porém, se você descobriu um manuscrito que acrescentará um novo capítulo à vida de algum realis­ta1 ou cabeça redonda- de décima ordem, se você pode sair de seus trabalhos com o pó de uma biblioteca velha nos dedos, você ganhou o título à fama. Mas por quê? Por que discriminar assim o homem que sabe muito a favor daquele que produz pouco? Eu nego que seu trabalho é bom? De jeito nenhum. Que você trouxe algo novo à luz, e assim fez uma contribuição para o conhecimento? Não. Ou que seu trabalho lhe deu bom treinamento no uso de ferramentas? Não. Nem negaria que é coisa útil para nossos jovens engenheiros civis inspeci­onar o compus da universidade todos os anos, ou medir a ponte do Brooklyn. Estou somente pensando que lhe falta perspectiva; que você está confundindo dores, aborrecimentos e um monopólio de informação inútil com história; que você está em perigo de pôr todos os fatos no mesmo nível e de classificar a genealogia de uma família do Mayflower com a Conquista Normanda. Você é enganado pela letra e perde o espírito. Você adotou a filosofia de Gradgrind. A de­manda é por fato, e assim sucede que no exame escrito de Oklahoma vale tanto quanto no de Termópilas, e julga-se que a data da última emenda constitucional tenha o mesmo direito a uma célula de memó­ria desocupada quanto 1453 ou 1688 d.C.

Lemos livros e estudamos a história da opinião com o mesmo descuido de proporção — lembrando-nos do que devemos esquecer e esquecendo-nos do que devemos lembrar, não fazendo concessão às circunstâncias e dando o mesmo valor a obiter dieta que outorga­mos a opiniões debatidas. Ache Calvino tropeçando em uma observa­ção casual, então difame seu sistema: isto é o que os homens fazem. Ou porque alguém se chama discípulo de Agostinho, considere-o responsável por tudo o que Agostinho ensinou, como se o indivíduo tivesse de acreditar nas virtudes da infusão de alcatrâo3 porque ele é berkeliano.

Os homens incultos, talvez, achem difícil fazer as distinções entre a essência e o acidente aqui referidos. Todas as declarações lhes pare­cem itens em um livro-razão a serem considerados da mesma maneira. Mas os homens cultos devem saber melhor. Eles devem saber que um homem pode ser luterano sem crer em tudo o que Lutero cria, ou aceitar a concepção hegeliana do universo sem simpatizar em detalhes com as visões peculiares de Hegel. Não deve ser difícil entender que uma declaração de credo pode ser precisa em conteúdo doutrinai, embora colorida pelo tempo no qual foi escrita e lida com condições de pensamento que já não existem. E também deve ser evidente que seria difícil evitar o aparecimento de anacronismo, se empreendemos tecer os pensamentos desta geração num documento que em sua folha de rosto expressa ter sido escrito há duzentos e cinqüenta anos. Um pouco de exercício de julgamento, porém, um pouco de esforço para distinguir entre essência e acidente, fato permanente e colocação aci­dental, em suma, ler o espírito na letra pouparia toda a dificuldade.

Também podemos aprender a exercer este poder de julgamento nos credos, porque teremos de exercê-lo nas Escrituras. Toda Escritu­ra é inspirada, mas nem toda ela possui o mesmo valor religioso. Toda Escritura é verdadeira, mas nem toda verdade bíblica é de igual importância. Indubitavelmente, toda a Bíblia é essencial à sua estrutu­ra orgânica, mas não igualmente essencial à vida espiritual e à educa­ção religiosa. Quando os homens dizem que desejam ensinar a Bíblia sem doutrina, eu respondo que as doutrinas bíblicas são mais impor­tantes que muito da própria Bíblia. O sentido da Escritura é a Escritu­ra, e em vez de perder o sentido, poderíamos nos permitir fazer sem certas formas de conhecimento da Bíblia. Há na Bíblia, como em outra literatura, o que pode ser chamado de o essencial e o acidental, e é ato de inteligência distingui-los. Li a cosmogonia e disso extraí a doutrina da criação, o surgimento da vida, a supremacia do homem e a sua pureza primeva. Estou disposto a preencher as grandes catego­rias do Gênesis com a ajuda da ciência, e assim fazer as generaliza­ções que acompanham o estudo de um dos livros de Deus ajuda na interpretação de outro. Li nas palavras do Salvador as idéias genéricas que devem controlar a existência social e os grandes princípios que devem guiar a conduta, mas não suponho que a ilustração de um princípio deva ser interpretada com exatidão literal. Não espero ma­nipular répteis venenosos com impunidade. Não espero que a fé subs­titua o tratamento médico ou cure a doença orgânica; e não encontro quer no Sermão da Montanha ou na comunidade apostólica de bens argumento em favor do socialismo e da negação dos direitos de pro­priedade.

Acredito que Paulo estava inculcando um princípio importante quando desencorajou o aparecimento de cristãos como litigantes em tribunais pagãos; mas por conta disso eu não concluiria que todo o litígio é pecado, ou que a profissão jurídica seria incompatível com o Cristianismo. Com certeza a distinção entre essência c acidente envol­ve responsabilidade séria, pois ao tentarmos fazê-lo podemos errar. Estou certo de que Arnold errou e que seu julgamento literário foi deturpado por preconceitos que ele tinha quando tornou a ética a coisa principal na Escritura e representou os dogmas do Cristianismo como acidentes do ensino paulino. Para que é a Bíblia? O que é a evolução de idéias bíblicas senão o crescimento de algumas concep­ções grandes e dogmáticas? A essência da Escritura, o âmago do An­tigo e Novo Testamentos, é a doutrina de que sem derramamento de sangue não há remissão de pecados, e que Deus estava em Cristo reconciliando o mundo com Ele, não imputando aos homens as suas transgressões. É o propósito divino que traz a Bíblia em linha com os fatos do mundo material. É a encarnação que dá caráter orgânico à Escritura. É a culpa humana que constitui a grande pressuposição da revelação. É a doutrina da fé na função de resposta do homem às propostas de amor que satisfaz as exigências da natureza moral hu­mana e sempre faz a Bíblia a melhor e maior mensagem que o ho­mem jamais teve.

Por que, então, os homens afirmam desejar que a Bíblia ensine religiosamente, mas não doutrinariamente? Por que homens cultos que foram ensinados a distinguir entre a letra e o espírito mostram tal propensão ao equívoco quando abordam temas religiosos? Não obstante, o mundo está cheio de homens que falam deste modo. Estes são os homens que estão em nossos púlpitos e pregam sobre a paciência de Jó e a coragem moral de Daniel; que encontram material para sermões sentimentais sobre as estações, sermões divertidos so­bre as loucuras sociais do dia, sermões sobre a importância do sono ou sobre a necessidade de se restringir a imigração, mas que estão calados com respeito ao tremendo fato do pecado e do significado dogmático do sangue expiador. Eu não vejo que tais homens estejam manuseando a Palavra de Deus enganosamente, porque estou incli­nado a fazê-los se declarar culpados, se preferirem, de uma estupidez erudita que lhes impede de ver que o Cristo sangrento é o fato central da Escritura. Permitam-me pedir-lhes. cavalheiros, que prestem aten­ção a esta lição do texto. Cultivem uma discriminação sábia. Leiam os melhores livros. Apoderem-se de pensamentos dominantes. Agarrem o resultado final das questões que convidam seu escrutínio. Distingam entre o que é vital e o que não tem importância. Armazenem o trigo; deixem de lado a palha. Estabeleçam sua opinião sobre funda­mentos racionais amplos e profundos. Sigam este método na religião. Alguns princípios e alguns fatos trazem consigo todo o tecido do Cristianismo. Sigam o grande curso da evidência e não se detenham por dificuldades secundárias. Deixem os grandes fatos periféricos do Cristianismo determinar-lhes a fé, e não permitam que ninharias lhes alimentem a dúvida. Vocês estão arranhando a superfície, estejam certos, quando deixam uma dificuldade textual, uma discrepância his­tórica, uma pergunta difícil sobre ética, ou um mistério dogmático impedir sua aceitação do Cristo histórico como o Salvador do mundo.

3. Passo agora à consideração de outra distinção sugerida pelo texto.

É difícil resistir ao sentimento que havia na mente de Paulo, a saber, o contraste entre, por um lado, a fixidez rígida da letra e, por outro, a espontaneidade maleável do espírito. Litera scripta manet. A palavra escrita não muda. Mas o organismo vivo está constantemente se ajustando a novas condições, e mudando para se adaptar a elas. Temos então o fixo e o variável, a lei inflexível e a vida variável. A história do mundo, da sociedade, da opinião religiosa é, em grande parte, a história destes dois fatores em suas relações um com o outro. O código legal fica muito estreito para harmonizar as exigências de uma vida em expansão, e muda em fato. mas não em forma. O traba­lho necessário é feito, mas as formas da lei são salvas pela ficção legal. Ubijus ibi remedium; porém não há remédio na lei comum, e a eqüidade encontra um através do édito do pretor ou das decisões do chanceler. Temos uma constituição escrita como base de governo, e os poderes dos coordenados departamentos de governo são defini­dos. Mas o tempo desenvolve o antigo conflito entre a lei inflexível e o organismo vivo, com a disparidade, como mostra o professor Wil­son, a favor do organismo.

Formulamos nossa fé em declarações de credo e depois de um século ou dois descobrimos que a igreja e o credo não estão em acordo exato. Não há nada de que admirar-se. É a antiga questão da letra e do espírito.

A letra controlou a vida. Deu à lei as suas variações. O desenvol­vimento político nesta terra seguirá as linhas da constituição. O de­senvolvimento teológico seguirá as linhas do credo que o controla. A menos que a letra entre na vida do organismo, se tornará letra morta; e se entrar, será modificada e colorida pelas circunstâncias do tempo e do lugar. Agora esta questão do fixo e do variável é muito maior do que a da revisão do credo. Está na raiz de quase todas as grandes questões de nossos dias. Os homens estão percebendo como nunca antes a solidariedade do gênero humano. A velha concepção pelagiana do individualismo é abandonada, e há a tendência a ir para o oposto extremo. A opinião individual é silenciada na presença de ondas avultantes e de movimentos irresistíveis, como são chamados, e so­mos advertidos contra a loucura de tentar deter a maré ascendente. No caso de pensadores muito avançados, esta adoração do Zeitgeist está associada com a negação de todas as idéias a priori. Não há padrões de medida. O movimento é reconhecido, mas não há critério pelo qual julgá-lo. e as idéias que o limitam e lhe dào forma são ignoradas.

Os homens dizem que temos de estudar os fatos com um espírito histórico e concluir nossa indução do que vemos. A ciência da ética se torna a ciência do que é, em vez do que deve ser, e se uma doutri­na do que é certo sobrevive sob qualquer condição, é a doutrina que o que quer que seja é certo. Em nome da razão eu protesto contra esta tendência de pensamento. Como pensador soberano dentro do âmbito de minhas próprias atividades, recuso-me a abdicar sob o terrorismo do sentimento popular. Recuso-me a dizer que pelo fato de a avalanche ser irresistível, então tem razão. Recuso-me a submer­gir minha razão numa torrente insuperável. E quando uma idéia em filosofia, política ou teologia está "no ar", reivindico o direito de exa­minar suas credenciais e escrutar suas declarações antes de dar minha aceitação. Os movimentos históricos, como também as ações de ho­mens individuais, devem ser julgados por princípios fixos. Então me é fácil definir minha posição com respeito ao que é chamado teologia progressiva. Você ligará a igreja à letra ou lhe dará a livre vida do espírito? Como você ajustará as relações entre a letra e o espírito; a igreja e o credo; o organismo e a lei de seu desenvolvimento? De acordo com Schleiermacher, o Nove Testamento é somente a experi­ência religiosa registrada do período apostólico, geneticamente rela­cionada com os períodos que se seguiram, mas não dando rubrica e não impondo lei. Conclui-se. então, que não há padrão de fé, que a verdade é relativa e que o organismo cristão é uma lei em si mesmo. O católico romano afirma novamente que o organismo é infalível e pode falar no tempo presente. Então, não é necessário acreditar que toda a revelação divina esteja contida na Bíblia. A transubstanciação veio pelo caminho da evolução doutrinária com o Concilio de Nice II c a infalibilidade papal dentro da geração presente. A doutrina da evolução aplicada à teologia pelo cardeal Newman ajuda Roma a ajustar a relação entre o fixo e o variável. Os protestantes têm a pala­vra escrita como única regra de fé. Mudar o variável não pode obliterar suas doutrinas. Os empuxos orgânicos não podem anular as palavras do seu sentido histórico. Não podemos eliminar doutrinas porque não gostamos delas, ou inserir novas porque o sentimento popular as pede. O que está escrito está escrito. A consciência cristã não pode mudar o significado de uma palavra grega mais do que pode transtor­nar a tabuada de multiplicação. Não há ficção legal que possa modi­ficar ou mudar a Palavra de Deus. Quando os homens dizem, como de fato o dizem, que a antiga concepção de um Deus soberano não se harmoniza com nossas idéias republicanas, eles tão-somente blas­femam. E quando depois de algum tempo eles procuram destroná-la e dizem claramente que cada geração tem de eleger sua própria regra e ditar sua política administrativa, eles só levarão às suas conseqüên­cias lógicas algumas das idéias prevalecentes de hoje.

Não nego, porém, que a verdade importante é indicada na doutri­na conhecida como a consciência crista. Não sou defensor da imobi­lidade eclesiástica. A igreja crista não é uma cópia exata no modo de adoração, métodos de administração e forma de governo da Igreja do Novo Testamento. Nós descontinuamos o ósculo santo, e o lava-pés não faz parte da hospitalidade crista. Assalariamos ministros e coloca­mos sobrepeliz em coros, nada disso sendo conhecido pela igreja apostólica. Esforçamo-nos em fomentar o espírito apostólico e perpe­tuar as idéias apostólicas, mas a Igreja alterou seu modo de vida e trabalho para harmonizar-se com as condições alteradas da socieda­de. Paulo disse que sob certas circunstâncias, ele recusaria a carne oferecida em sacrifício a ídolos e não beberia vinho que tivesse asso­ciação idolatra. Interprete-o literalmente, e as palavras não têm apli­cação na vida moderna, pois as condições que controlavam sua deci­são já não mais existem. Mude a decisão num mandato de abstinên­cia, e imediatamente você tiraniza a consciência e furta do ato da abstinência todo o significado ético. Porém, generalize a declaração e você tem a grande lei da moralidade altruística que, depois de terem sido feitos todos os abatimentos pelo egoísmo, é o fator mais potente em nossas vidas práticas.

O mesmo se dá com a doutrina. Os dogmas do Cristianismo são fixos. A Bíblia não muda, e não temos revelação extra-bíblica. Mas um dogma que só é lido na Bíblia ou é declarado e subscrito em um credo é somente letra morta. Tem de entrar em nossas vidas e fazer parte de nossas experiências intelectuais e morais. Porém, entrando o dogma em nossa personalidade e em nossas vidas orgânicas, ajusta-se com as condições variáveis, embora inalterado em si mesmo. Será lido com ênfase diferente em períodos diferentes; será interpretado à luz das ardentes questões desses períodos; será trazido em relação com a ciência e a filosofia e adquirirá novo interesse de geração em geração das novas condições polêmicas que constantemente estão emergindo. O vocabulário de Paulo era afetado por seu contato com a filosofia. O nosso também. É vã a tentativa de eliminar a filosofia da teologia. Os dois departamentos tratam em grande parte dos mesmos assuntos e cobrem área comum. Todo o material, qualquer que seja a fonte, qualquer que seja a autoridade, que irá compor nossa teoria do universo, tem de atravessar a velha vida e levar a impressão de nosso pensamento; e quando pensamos em filosofia seremos compelidos a pensar em teologia.

Lidamos com as mesmas questões relativas a Deus, a liberdade e a imortalidade com que lidavam Paulo, Agostinho, Tomás de Aquino e Calvino, e embora as Escrituras não tenham mudado, como a nossa leitura delas, no que diz respeito a esses tópicos, não é materialmente diferente da leitura feita por estes homens; vemos a mesma verdade sob condições diferentes. Nossos hereges não são Cerinto e Celso, mas Spencer e Kuenen. Nosso inimigo não é a credulidade, mas o agnosticismo. E à medida que as condições mudam, nosso modo de apresentar a verdade inalterável também tem de mudar. Porém, lem­bre-se de que se a letra sem a vida está morta, a vida necessita da letra para dar lei a seu movimento. Não seja enganado pelo clamor de que a voz do povo é a voz de Deus. Não se apresse em presumir que todo grande movimento é um movimento inspirado. Não temos infalibilida­de pessoal. Não acreditamos cm infalibilidade incorporadora. Não te­mos fé na inspiração das grandes massas de homens. Então, quando sob a influência daqueles que nos fariam pôr nossa fé no organismo em vez de atá-la à palavra escrita, começamos a perder a fé na autori­dade da Escritura, abandonamos nossa única base de ceneza crista.

4. "A letra mata. e o Espírito vivifica". Regra exterior c princípio interior são as duas grandes agências que operam na conduta huma­na e aparecem contrastadas no texto. Há o princípio interior em pro­pensão de inclinação e propósito dominante que buscam expressão em nossas espontaneidades-, e aqui está o código objetivo pelo qual procuramos guiar nossa vida e que é posto diante de nós como influ­ência instaitiva e restritiva. O mundo, declara Lecky, é governado por seus ideais. É o que amamos fazer que fazemos bem. Com ajuda somente da regra os homens não escrevem livros e não pintam qua­dros que usam a estampa da genialidade. Não executam atos de heroísmo em relutante complacência com a lei; não brilham em ne­nhuma das belezas de caráter sublime e santo quando se educaram para seguir a vontade de outrem. O trabalho feito em conformidade com a regra é trabalho enfadonho e cansaço da carne. Há a moralidade do princípio e a moralidade da conformidade externa. Que há lugar para a moralidade do externalismo e preceito, da lei e obediência sob comando, eu não duvido, contudo às vezes penso que a vida é torna­da mais penosa do que precisa ser, e que dificultamos em vez de ajudar os interesses mais altos da moralidade pela multiplicação ex­cessiva de regras.

O Estado vai ate onde deve passando os limites da liberdade do indivíduo, a Igreja está tomando liberdades com os direitos da cons­ciência dizendo que seus membros devem fazer isto e que não de­vem fazer aquilo. Vamos à faculdade, e um código de instruções é a primeira liçào que nos pedem que aprendamos. Entramos num negó­cio, e nos descobrimos amarrados pela regra. Estamos dia a dia mais pouco dispostos a presumir que os homens agirào corretamente por princípios e mais dispostos a pensar que eles amam fazer o mal. A desconfiança do mercado é a lei da sociedade. Estamos multiplicando a maquinaria da descoberta. Clamamos: "Quem guarda os guardas?" Estamos nos protegendo a custos cada vez maiores contra a desonestidade daqueles cm quem confiamos. Observamos o balco­nista à sua escrivaninha, e o estudante no seu exame. Pomos um sineiro nas mãos do diretor e armamos armadilhas para o vigilante noturno. Em formas mais ou menos visíveis e em maneiras mais ou menos irritantes aos sentimentos, proclamamos nossa inabilidade em confiar nos homens e nossa convicção de que todos os homens são mentirosos. Tudo isso é necessário para proteção, embora eu ainda acredite que devemos mais à consciência do que a toda a nossa com­plicada maquinaria policial. Mas a dificuldade é que os homens su­põem que tudo isso é educação moral.

Existe a impressão de que você torna os homens morais quando faz com que temam praticar o mal e que reprimindo o mal você está elevando o caráter. Torne praticar o mal tão difícil, que praticar o bem será mais fácil, e passa-se a supor que você tornará os homens mo­rais. E, inegavelmente, grande parte da moralidade do mundo é desse tipo. Um homem obedece a lei porque teme a pena. Ele perderá seu lugar, incorrerá no ódio da sociedade, será visitado com ostracismo social ou perderá seu diploma, e então ele fará como lhe é dito. E há bons homens que não vêem que não há moralidade nisso. Não só não vêem, mas parece estar ganhando terreno a opinião de que podemos construir o caráter por este sistema de externalismos. Os ho­mens não só obedecem as leis impostas pela sociedade para proteção própria, mas levam penhores, fazem promessas, multiplicam votos para edificação própria, e, em vez da liberdade do espírito, eles estão regressando para o legalismo de uma dispensação mais antiga, estão se regozijando na escravidão da letra. Eles deveriam saber que obedi­ência forçada não é educação moral.

O caráter é uma planta endógena e cresce de dentro. O treina­mento militar ensina os homens a obedecer a lei, mas não os ensina a amá-la. Os desertores são fuzilados, por isso os soldados não deser­tam. Isso é tudo. Kant tem razão. A lei que vem de fora não é ética. Não há moralidade em fazer o certo por cálculo das conseqüências. Por conseguinte, só a lei auto-legislada é moral. Embora seja a lei de Deus, deve ser autônoma antes de ser ética. Tem de dirigir a consci­ência e ser aprovada como boa. Tem de se tornar uma máxima da razão e não um mero comentário. "Porque a letra mata, e o Espírito vivifica" (2 Co 3.6). O Estado, é claro, tem de se proteger, e o seu fim principal não é a educação moral. Isto deve ser deixado para a Igreja. Mas qual deve ser nosso alvo na administração de uma faculdade? Consideraremos a boa ordem da organização ou a melhoria moral do estudante? Pode ser fácil fazer qualquer um dos dois; pode ser difícil combinar os dois; mas temos de combiná-los. Deve haver regras, mas devem ser poucas, e sua aplicação precisa dirigir a consciência. Te­mos de preparar os homens para os privilégios que eles bem logo hão de herdar, respeitando sua humanidade e evitando toda legisla­ção insignificante. Temos de proteger o organismo e ao mesmo tem­po laborar pelo bem do indivíduo. Temos de manter a lei subservien­te ao propósito pelo qual é ordenada e tendente à regra, se for neces­sário, a fim de salvar o homem. Temos de considerar, é verdade, o bem-estar da grande maioria, mas às vezes devemos, se necessário, deixar as noventa e nove ovelhas e cuidar daquela que se perdeu.

O estudante universitário é inventivo, por via de regra. Ele come­te enganos e cai em erro ou pecado. Mas o caso é raro quando você não encontra algo nele que o atraia. Ele é franco. Ele admitirá que abusou da generosidade, brincou com a boa natureza e agiu vilmente. Ele está arrependido por ter procedido assim, e o clímax do seu pesar é geralmente o pensamento da angústia da mãe e a tristeza do pai. Tenho um lugar espaçoso cm meu coração para o homem que é capaz deste amor filial. Porem, meu irmão, você tem de estar em patamar mais alto. Você está saindo para enfrentar as tentações do mundo. Você será confrontado com a luxúria da carne, a luxúria dos olhos e o orgulho da vida. Não é bastante que você reconheça a autoridade da lei exterior. Você deve torná-la um princípio interior. Não é suficiente que a conduta má seja evitada, porque é desonrosa e trará desgraça. Aprenda a evitá-la porque é errado. Aprenda a fazer o certo porque é certo. Aprenda a sentir as sanções de uma moralidade mais elevada, e quando seus atos maus o encherem de arrependi­mento, que seja porque você pecou contra Deus e pôs uma mancha na alma.

5. E agora, senhoras e senhores formandos, permitam-me dizer uma simples palavra final. Esta semana marca uma era importante no calendário de suas vidas. Significa a separação de antigas liga­ções, a suposição plena da responsabilidade pessoal e o revesti­mento do futuro. Tentamos com afinco ajustá-los para o trabalho da vida. Não fizemos o que poderíamos ter feito, em parte talvez por nossa negligência, em parte também por sua negligência. Mas até certo ponto cm todos vocês — acho — e em grande parte na maio­ria de vocês — sei —, nossa meta foi percebida. Ao enviá-los ao mundo estamos fazendo uma contribuição à força operativa dele, da qual não temos razão de nos envergonharmos. Tentamos fazer a educação que lhes demos um comentário sobre as palavras que escolhi para meu texto. Nos esforçamos para fomentar em vocês altos ideais na literatura e sublimes metas na ciência. Procuramos disciplinar suas faculdades mentais de forma que vocês vejam as partes da verdade em suas relações formais umas com as outras e em proporção justa. Tentamos mostrar que a Palavra imutável de Deus não é um fóssil a ser posto na estante, mas o princípio dirigen­te da vida, a inspiração do seu movimento e a lei da sua variação. Tentamos também ensiná-los que a essência de toda a moralidade é uma lei auto-enunciada da obrigação, comandando sem condição e menosprezando cálculos. E não esquecemos nos cultos deste santu­ário que o contraste entre a letra e o espírito também presta teste­munho de outro contraste entre a Lei c o Evangelho, à cuja referên­cia foi feita no princípio deste discurso.

O apóstolo não pretendia desacreditar a Lei quando a contrastou com o Evangelho. O Evangelho não substituiu a Lei, só a completou. A Lei é santa, justa e boa. Veio de Deus e é a expressão da sua vontade. É perfeita, mas inflexível. Diz-nos o que devemos fazer. Põe diante de nós um ideal que instiga nossa admiração e provoca deses­pero. Vocês a aceitam como justa, mas não podem obedecê-la. Vocês decidem e fracassam. Prometem e quebram o voto. Fazem um esfor­ço e não alcançam o objetivo. Porém a Lei não aceita desculpas e não faz concessões. Não há piedade em seu tom de voz. Encontra sua contrição sem palavra encorajadora. Sua face é rígida e sua voz, dura. Sua nota de aprovação, lhe diz, é cem, e você fracassou. É tudo o que tem a dizer. Mede; não se compadece. Tabula resultados; não perdoa. A Lei é a incorporação da vontade de Deus, mas também há outra incorporação dessa vontade. E quando consciente de seu fracasso, cada um de vocês vai a Jesus e diz: "Mestre, sei que deveria ter feito melhor e me envergonho", então você descobrirá um olhar de tal ternura primorosa na face do Mestre, que lhe dirá antes que as pala­vras sejam proferidas: "Os teus pecados te são perdoados; vai-te em paz". Quando depois de empresa infrutífera em aprender as lições da vida e fazer seu trabalho, vamos a Ele c dizemos: "Mestre divino, eu quero aprender, mas sou muito lento, e minhas pobres faculdades mentais não são iguais a esta sublime tarefa", então Ele lhe dirá nova­mente: "Tem paciência, filho, e eu te ensinarei. Eu porei meu Espírito dentro de ti. Eu aperfeiçoarei minha força na tua fraqueza". A Lei veio por Moisés, mas a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo. Tenham comunhão com Cristo. Andem com Ele. Voltem-se sempre para Ele em busca de consolo, força e direção. Sirvam-no enquanto viverem, e logo vocês serão como Ele é e o verão como Ele é.

 

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